terça-feira, 29 de setembro de 2009

Histeria canarinha

Na sexta-feira passada o Jornal Nacional veiculou uma matéria mostrando os benefícios que os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro poderiam trazer para o país, não só a cidade, caso o Rio seja escolhido como sede em 2016. A reportagem foi feita com base em um levantamento da Fundação Instituto de Administração, de São Paulo, que foi encomendado pelo Ministério do Esporte. O levantamento mostrou números surpreendentes de crescimento em vários setores da economia, e concluiu que o impacto na economia chega a R$ 102 bilhões com reflexos até 2027. Foi o início do frenesi midiático que cerca a semana decisiva para a candidatura do Rio de Janeiro.

Desde então a Globo, com seus programas esportivos, o seu site, e o canal por assinatura, Sportv, vem demonstrando o seu total descompromisso com o jornalismo. Quem assiste ao Globo Esporte essa semana com a intenção de se informar está perdido. O que se vê é somente uma histeria, um levante para que o Rio seja escolhido. Matérias comoventes, com imagens belas, a supervalorização das estrelas que estão em Copenhague acompanhando a decisão (Pelé, Lula, Paulo Coelho, além do circo todo, Nuzman, Orlando Silva, Eduardo Paes, Sérgio Cabral...). Mensagens fortes: “Vamos torcer para o Rio!”. Como se isso fosse um símbolo cívico. Quem não o fizer não é digno de ser brasileiro. Durante o programa atletas renomados são convidados para darem o seu depoimento. Já passaram por lá o ex-jogador de vôlei e agora comentarista, Tande e o mesa-tenista Hugo Oyama.

Porque não chamaram “Magic Paula”? Porque Ana Moser também não esteve presente para dar o seu depoimento? Na reportagem veiculada pelo Jornal Nacional porque nenhum representante do TCU-RJ foi entrevistado, já que até hoje as contas do Pan 2007 não foram aprovadas? Todo esse carnaval em cima da possibilidade de o Rio ser escolhido vem com essa alegação de que será um salto enorme não só para o esporte, como também na infra-estrutura do país. O exemplo que eles gostam de usar é o de Barcelona, que após sediar as Olimpíadas de 1992 teve um crescimento realmente considerável, do qual os Jogos foram realmente essenciais.

De fato investimentos virão. Reformas estão previstas, instalações esportivas de primeiríssima qualidade também, mas a questão que fica é se as autoridades brasileiras sabem lidar com isso. O histórico brasileiro não ajuda. Licitações públicas são uma verdadeira farra por aqui. O principal motivo para se contestar a candidatura brasileira são os Jogos Pan Americanos de 2007. Na ocasião o Governo Federal gastou em torno de 1000% a mais da previsão inicial. O apresentado foi de que houve um gasto de R$ 4,5 bi, o Pan mais caro da história. A previsão para os Jogos Olímpicos em 2016 é de algo em torno de R$ 28 bi, não quero nem fazer as contas...

Outro ponto “favorável” é o legado. Mais uma vez o Pan é a prova máxima de que é difícil isso acontecer. Vários “Elefantes Brancos” estão espalhados pela cidade carioca. O Engenhão, empossado pelo Botafogo em uma licitação muito duvidosa realizada pela prefeitura, pouco serve ao atletismo brasileiro. Atletismo que merece uma atenção muito maior, em tempos de escândalos no doping, mas que ninguém se importa, já que a meta é agora é elevar o nome do Rio no cenário mundial com os Jogos de 2016. Ainda sobre o “legado do Pan”, temos o Maria Lenk, complexo aquático que não poderá ser utilizado nas Olimpíadas, por não atingir os requisitos mínimos do COI, dentre outras instalações.

A Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou uma análise após o Pan de que a prefeitura do Rio de Janeiro, no mandato de César Maia (DEM), entre 2005 e 2008 gastou 34% de seu orçamento na realização do evento. Saúde e educação ficaram com míseros 7%. É esse tipo de dado que aumenta o nosso espírito cético em relação à vinda de um evento de tamanha grandeza como os Jogos Olímpicos para o Brasil. Isso sem falar da Copa do Mundo, que acontecerá dois anos antes. Uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) foi almejada pelo senador Álvaro Dias (PSDB - PR) e pelo deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), para investigar os investimentos públicos no esporte. As assinaturas foram recolhidas, mas no instante final, alguns senadores e deputados retiraram seus nomes, após lobby encabeçado pelo COB, e seu mandatário, Carlos Arthur Nuzman.

O esporte brasileiro precisa de muito mais que R$180 mi gastos somente com papelada para apresentar uma candidatura. Realmente é preciso sediar uma Olimpíada para que esporte seja levado a sério? Essa candidatura não tem apenas um lado, como o mostrado na Globo, de festa, alegria, e apenas melhorias para o país. Ela transcende como é mostrado no excelente “Brasil Olímpico, uma candidatura passada a limpo”, da ESPN Brasil. Estou cobrando não uma postura contrária à candidatura, mas sim uma postura mais crítica em relação a esse evento. O esporte não é tão simples assim, ele precisa ser levado mais a sério.

5 comentários:

Fernando Vasconcelos disse...

Parabéns, belo post. E não é preciso ir tão longe para ver onde o legado realmente existe. Depois do Pan de 1995, a população da cidade de Mar del Plata, na Argentina, se beneficiou consideravelmente das instalações. Diversos eventos esportivos foram realizados na cidade, principalmente campeonatos de futebol. Gastar fortunas com Copa do Mundo e Jogos Olímpicos em um país que tem tantas outras prioridades, como educação e saúde, é lamentável.

Ana Carolina Castro disse...

Quer receber visita importante? Arrume a casa primeiro. Esse escândalo de contas nao aprovadas do Pan, essa total desordem, isso nao pode ser ignorado. Investir mais num evento desse do que em educacao e saúde??? Isso é ridículo!! As vezes eu suspiro aliviada por nao estar aí pra assistir a palhacada que eu imagino que a mídia está fazendo.
Ótimo post meu querido.

João Paulo Di Medeiros disse...

Assino embaixo não só o que você disse mas também ao que completaram tanto o Fernando quanto a Ana. Mas além de problemas educacionais e de saúde o Rio vive o inferno da segurança pública. Não creio que em menos de 7 anos esse problema se resolverá, o que será feito é uma espécie de maquiagem da realidade.Pena.

João Paulo Di Medeiros disse...

Assino embaixo não só o que você disse mas também ao que completaram tanto o Fernando quanto a Ana. Mas além de problemas educacionais e de saúde o Rio vive o inferno da segurança pública. Não creio que em menos de 7 anos esse problema se resolverá, o que será feito é uma espécie de maquiagem da realidade.Pena.

Thiago Rabelo disse...

Excelente, Daniel! Você matou a charada no final do texto. A questão não é torcer contra as Olímpiadas, é ter um senso crítico diante um evento tão grande e que muitas pessoas agem de má fé.